terça-feira, 1 de julho de 2014

#VaiTerCopa



'“A cidade vive, hoje, um grande dia com a abertura do campeonato do mundo, o primeiro que se realiza no Brasil. Jamais um acontecimento esportivo, nem mesmo o certame de 38, conseguiu despertar, seja na cidade, seja em todo o território nacional, um interesse tão profundo, tão absorvente, que se irradiasse através de todas as classes sociais. Pode-se dizer que, de ponta a ponta do Brasil, o assunto exclusivo é o campeonato do mundo.” 
O GLOBO, primeira página, 24/6/1950

Em 1950, aparentemente, não tinha isso de "#nãovaitercopa". Éramos 52 eufóricos milhões, absolutamente certos da vitória consagradora. Não havia português de gel no cabelo. Portugal não veio pra Copa. Argentino driblador infernal? Também não. A Espanha veio – e recebeu uma surra. O Uruguai? Bom, também veio...

A segunda Copa do Brasil, a Copa das Copas, prometeu muito. Não cumpriu tanto. Trens-bala ficaram no papel. Estádios custaram meio caro. Mas, bom, o mundo chegou, a Copa está aqui – e pelo visto começa hoje – no prontíssimo e moderníssimo estádio do Corinthians. Errr... tá bom, quase prontíssimo. Que importa? O Maracanã de 1950 ficou pronto em 1963. Vamos torcer? Vamos ganhar? Vamos lembrar primeiro.

football nos trouxe algo em que podíamos competir lá fora, no qual nos sentíamos subitamente importantes – e diferentes. E... únicos. Algo que nos fazia sentir... brasileiros. Não pretos. Não índios. Não brancos, amarelos ou azuis. Não apenas paulistas ou cariocas ou mineiros ou gaúchos ou baianos. Ou manauaras ou capixabas. Algo... mais.

A multidão identificava ali esse exótico sentimento de brasilidade – o jeitinho, o improviso. A Copa de 1938 trouxe isso, personalizada no homem-borracha Leônidas da Silva. Os jogadores voltaram da Europa de navio e foram recebidos por uma multidão eufórica no Rio de Janeiro. Uma multidão que celebrava... o terceiro lugar no Mundial.

Replaaaaay para a frase:
Que celebrava o TERCEIRO lugar!

Essa vitória em forma de derrota espalhou o feitiço. Foi a primeira vez em que a taça do mundo frequentou a primeira página dos jornais. E pela primeira vez o país escutou o mundial pelo rádio – e imaginou a Copa. Sofreu com a Copa. E reclamou do juiz. A derrota honrosa criou uma sensação de que nós podíamos. De que nós éramos capazes. E plantou o que viria a seguir.

Na Copa de 50, a mídia e a população já citavam a Seleção Brasileira como a campeã do mundo, antes mesmo de disputar a fatídica final. Era tempo da mais descontrolada euforia:

“Arrancada para o título supremo”
Manchete do Jornal dos Sports – 13/07/1950

“Viva o Brasil, campeão do mundo” 
Rádio Continental no dia 13/7/1950

“Estes são os campeões do mundo”
Jornal O Mundo, 15/7/1950

No dia 16 de julho de 1950, o título supremo não veio. Veio a derrota suprema. O Maracanaço... o soco continental no fígado.


A derrota em forma de derrota abriu o apetite. E a fome – que fome – sobreveio. Vieram Pelé, Mané, Didi, Gérson... e Rivelino e Tostão e Romário e Jairzinho e Ronaldo... e tantos outros. Cinco títulos depois, cá estamos, oscilando entre eufóricos e pessimistas, vira-latas ganindo e pachecos exalando.


Sessenta e quatro anos depois, eis o Brasil diante do espelho – de novo. O Brasil vivendo uma Copa em casa. É apenas um jogo. Mas o que faz um país inteiro discutir um jogo? Parar para assistir 90 minutos, se vestir de amarelo, discutir, gemer, gritar, berrar?


O que faz a militante torturada no calabouço torcer pelo Brasil? O que faz presos e carcereiros comemorarem juntos? Que maluquice é essa capaz de unir tucanos e petistas, corintianos, são-paulinos, palmeirenses, santistas, rubro-negros, vascaínos, tricolores, botafoguenses, gremistas, colorados, cruzeirenses e atleticanos, baianos, cearenses,? Capaz de interromper assaltos, irmanar bandido e polícia, amigar juízes e réus, produzir resenhas entre intelectuais e antas de carteirinha? Que feitiço é esse capaz de hipnotizar quase 200 milhões de sujeitos em torno de uma camisa?


Você já se perguntou por que é capaz de se emocionar com futebol? Por que fica alegre quando um daqueles valetes chuta uma bola de couro sintético dentro de uma rede embaixo de traves? Você já se perguntou por que o brasileiro é o único sujeito que exige couvert artístico de seus 11 apóstolos? Por que para a seleção não basta ganhar – é necessário encantar?


Hoje, 12 de junho de 2014, todos os dedos indicadores do mundo apontam para o Brasil. Do balcão de boteco à mesa redonda, um ligeiro favoritismo se ensaia e um pachequismo surdo começa a se insinuar.


É meio singelo dizer isso – e talvez o torcedor não queira ouvir. Mas... o resultado importa menos. Tudo aquilo que foi prometido – e cumprido ou descumprido – importa menos. A jornada importa mais. Receber o mundo, e viver essa experiência, importa mais. É uma oportunidade única e fantástica. Ver camisas e bandeiras de cores distintas, povos diferentes, na sua rua, na sua cidade – é algo que dificilmente você viverá de novo nesta vida.


A Copa está aqui, perto da gente, pegando táxi, pintando na rua, colorindo avenidas com milhares de torcedores que vem escrever suas histórias.


A Copa das Copas – no fundo – é a Copa que viveremos – e contaremos para filhos e netos proverbiais – e lembraremos: um dia vi Lionel Messi, Cristiano Ronaldo, vi Neymar, que era um garoto – e vi aquele jogo sensacional que o país tal perdeu depois de um lance inacreditável. Eu vi o erro de arbitragem inesquecível e o golaço que fez história. Eu vi bósnios e croatas se abraçando, nigerianos e argentinos gritando, o iraniano beijando a americana na noite. Eu vi o italiano suando em Manaus e o português fazendo rir em Salvador. Eu vi o alemão rolando na praia e o uruguaio perdido na Paulista. Eu vi argentinos gozando brasileiros que gozavam argentinos que gozavam brasileiros. Eu vi os ingleses branquelos na praia e atropelei um holandês com kite surf.


Ah, tem a Fifa, claro, e os cartolas... mas eles estão nos gabinetes com champanha, ar-condicionado e limusines. A Copa de verdade acontece aqui fora – no trem, na arquibancada, na rua, na praia, na mesa do bar.


Enfim..., vai ter Copa. Começa hoje. E combinemos que proibido é proibir. Quem quiser protestar – proteste. Quem quiser torcer – torça. Quem quiser aparecer – é tempo de melancismo encefálico – que apareça. Quem quiser ir ao cinema ver filme vietnamita – por favor vá. Quem quiser bater nos outros – que veja o sol nascer quadrado.


Consta que está liberado esse negócio de gritar Brasil. De cantar. De torcer. Se emocionar. Chorar. Sorrir. Consta que é permitido até ganhar... que venha a Taça do Mundo!



(Gustavo Poli)

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